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MÍDIAS DIGITAIS E SIMULAÇÕES NA ARQUITETURA

Palavras-chave: mídias digitais; simulação; transcodificação; tecnologia digital; síntese digital

Mesmo sofrendo forte influência das mídias mais antigas e, muitas vezes, reproduzindo os resultados de mídias anteriores, as mídias digitais instauram uma outra categoria para a linguagem de apresentação na arquitetura. Primeiramente porque, partindo de uma perspectiva interna às mídias digitais, todo o processo de construção da apresentação é fruto de um tipo de linguagem muito particular: a da tecnologia numérica e suas possibilidades de programação. Depois porque, numa perspectiva externa, as mídias digitais oferecem novos níveis de interação com o usuário e novas formas de manipulação de seu conteúdo por parte do até então observador.

O século XX acompanhou uma evolução grande no desenvolvimento das mídias a partir de conceitos como automação e instantaneidade na geração das imagens, inauguradas pela fotografia e pelo cinema. Se por um lado a fotografia possibilitou um registro instantâneo da realidade, o cinema utilizou desta instantaneidade para gerar um repertório ou um banco de dados de imagens, que poderiam ser posteriormente editadas e re-apresentadas ao expectador. Segundo Manovich [1], a “edição ou a "montagem", é a tecnologia chave do século XX para a criação de "realidades simuladas”. Estas ‘realidades simuladas’ se referem às imagens de nosso mundo concreto que é reapresentada pelo cinema tradicional analógico através de edições baseadas no tempo:

"O cinema de ficção, como nós o conhecemos, baseia-se em mentir para o observador. Um exemplo perfeito é a construção de um espaço cinemático. Os filmes de ficção tradicionais nos transportam para dentro de um espaço – um quarto, uma casa, uma cidade. Normalmente, nenhum destes existe na realidade. O que existe são poucos fragmentos cuidadosamente construídos em estúdio. A partir destes fragmentos desconexos, um filme sintetiza a ilusão de um espaço coerente" [2].

Esse tipo de construção do cinema tradicional denominada montagem reconstruía, além de um espaço cinemático, o tempo. Manipulavam a ordem de apresentação de diferentes seqüências de registro da realidade, que eram as tomadas ou takes, muitas vezes superpondo-as, outras vezes invertendo a sua ordem, combinando-as de forma a criar uma “nova consciência da existência desse tempo, emergindo em decorrência dos intervalos, daquilo que é cortado, arrancado ao longo do processo” [3]. Esse processo de montagem consiste, segundo Tarkovski numa “escultura do tempo”, uma vez que “montar consiste em combinar peças maiores e menores, cada uma das quais portadora de um tempo específico” [4]. Portanto, não se trata de enganar o espectador, mas de apresentá-lo a uma outra realidade espaço-temporal simulada através de meios tecnológicos específicos. Apesar de fictícia, possibilita a experiência audio visual do espectador através de sua “inserção” nesta realidade simulada, e considerá-la mentira empobrece a investigação envolvida por trás desta realidade.

No final do século XX as tecnologias digitais introduziram novos softwares de montagem que não somente incorporam os aspectos temporais mas também aspectos gráficos para a visualização de seqüências de imagens. A organização e combinação destas seqüências pode ser feita de modo mais intuitivo e mais visual, as seqüências podem ser editadas e manipuladas independentemente e em tempo real, além de poderem ser referenciadas a outros elementos gráficos como textos, imagens, janelas e outras seqüências. A esse processo digital de montagem e edição denomina-se composição. Composição é um termo que aglutina mais variações do que a montagem, permite uma liberdade compositiva maior e pelo fato de ser digital, pode ser composta em interfaces que tratam a composição do filme como uma partitura, sequências independentes facilmente editáveis e modificáveis.
 
Contudo, o uso desta tecnologia numérica no processo de composição por si só não introduz modificações significativas para a apresentação espacial na arquitetura. É a partir da compreensão das particularidades ainda inexploradas desta tecnologia, de sua estrutura lógica de funcionamento e de suas linhas de programação é que poderemos oferecer caminhos para um método de visualização e análise que explore diferentemente as possibilidades das tecnologias digitais aplicadas à apresentação do espaço na arquitetura.

A CONSTITUIÇÃO DA APRESENTAÇÃO DIGITAL: DA SIMULAÇÃO À SÍNTESE

Duas propriedades fundamentais para se compreender qual a contribuição das tecnologias digitais para a construção de novos modelos de visualização espacial são a transcodificação cultural e a variabilidade. A transcodificação consiste, segundo Manovich [5], num processo de reconceituação cultural que implica na substituição de categorias culturais por outras novas derivadas da pragmática dos computadores, ou seja, as maneiras como o computador modela o mundo, representa informações, suas operações básicas tais como: procurar, filtrar, comparar, atualizar, armazenar, recuperar, etc. Aos poucos, toda a forma como nos relacionamos com as informações vão se transformando uma vez que os computadores criam, distribuem, armazenam e arquivam estas informações. Esse fenômeno de reconceituação cultural consiste basicamente na mudança do analógico para o digital em quase todos os espectros da produção de dados.

Manovich afirma que a “transcodificação é a conseqüência mais substancial da digitalização nas novas mídias, o que estabelece uma relação direta entre esta nova mídia e a ciência do computador”. Podemos considerar as novas mídias todos os aparelhos e dispositivos eletrônicos que operam a partir das tecnologias numéricas como por exemplo: fotografias e vídeos digitais, CDs, DVDs, páginas na internet, animações, interfaces gráficas, etc. A variabilidade por sua vez consiste na condição ‘líquida’ das mídias digitais em se constituirem por registros definitivamente não fixos, mas existirem potencialmente em uma infinidade de versões. Esta qualidade tem relação direta com as possibilidades de programação dos dados digitais, uma seqüência de traduções que fazem com que a combinação delas ofereça aos objetos digitais diferentes “personalidades” ou aparências diferentes tais como: videos, imagens, sons, números, gráficos, diagramas, modelos tridimensionais, ou a combinação entre eles. Tecnicamente, todas estas ‘personalidades’ são derivações das composições realizadas a partir das unidades digitais primárias denominadas pixels, elementos fundamentais para a constituição de qualquer interface gráfica. A união entre estas duas propriedades, transcodificação e variabilidade, promove o surgimento de novas mídias digitais, como as interfaces gráficas interativas, cuja possibilidade de programação dos pixels oferece uma abertura ao observador em ser coadjuvante no processo de criação.

Autores como Couchot [6] afirmam que o processo de criação da imagem a partir de suas unidades elementares não é suficiente para instaurar uma nova identidade, uma nova categoria, na apresentação uma vez que, como ele coloca, “movimentos artísticos como o Impressionismo, o Pós-impressionismo e o Cubismo Sintético já trabalhavam com a decomposição analítica da imagem e seu posterior reagrupamento, buscando uma síntese das formas a partir de seus constituintes primários” como pode ser visto na imagem da tela do artista impressionista Camille Pissaro que se segue:

Constituição da imagem pictórica. Tela e detalhe: “Woman in an Orchard. Spring Sunshine in a Field at Éragny”, 1887 - Camille Pissaro – Museu D´orsay – Paris. Modificada pelo autor.
Fonte: BAATSCH, Henri-Alexis. The Impressionists. Paris: Hazan, 1994.

A decomposição da realidade nas tecnologias digitais implica na criação de uma série de códigos de informação, cuja sequência contém as características da realidade apreendida. É um processo de fragmentação porque os códigos são independentes, o que possibilida uma recomposição da realidade bastante diferente de como ela se encontra originalmente. A variabilidade nas formas de recomposição dos códigos de informação é uma das características fundamentais que instauram uma nova categoria para estas mídias, sendo consideradas por Manovich como “a conseqüência mais substancial das mídias digitais” [7].

Essa variabilidade nos oferece a possibilidade de uma decomposição e recomposição constante dos pixels a partir de subsequentes traduções dos códigos digitais, que estabelece uma relação de outra ordem entre observador e imagem que, como parece concordar Couchot, instaura a condição de real interatividade entre os dois lados envolvidos:

"a imagem se torna sujeito, pois reage interativamente ao nosso contato, mesmo a nosso olhar; ela também nos olha" [8].

Este tipo de relação digital interativa somente é possível de se realizar devido ao caráter numérico da tecnologia digital, uma qualidade inerente a ela que desconstrói o registro do objeto físico ou de uma situação no tempo desde a sua apreensão e o reconstrói programaticamente utilizando a linguagem numérica. Essa redução do registro em dados numéricos permite uma simulação posterior programada que multiplica as formas e alternativas de exibição do conteúdo apreendido.

Couchot acredita que, devido ao fato da representação numérica ter a capacidade de sintetizar uma apresentação da realidade a partir de cálculos numéricos, ou seja, recursos intermediários que se inserem entre o real e a sua representação, seria adequado utilizar o termo simulação. Segundo ele, “uma visualização numérica não mantém nenhuma relação direta com o real, nem física, nem energética”, levando em consideração que o processo de desconstrução e reconstrução da realidade pelas tecnologias digitais é ausente de um registro físico que deixe rastros na captura da realidade como nas mídias analógicas, uma vez que esse processo intermediário de simulação produz apenas valores numéricos. E esta numerização da realidade é, para o autor, o que rompe esta ligação entre a imagem e o real.

Entretanto, ao contrário do que nos coloca Couchot, um dos fatores que estabelece relação com o real na visualização numérica é a sua possibilidade de interação com o usuário. O usuário exerce um papel essencial para tornar real e visível o conteúdo programático potencializado pela tecnologia digital estabelecendo critérios particulares de visualização. Se a desconstrução do real pela simulação consiste na sua numerização, a reconstrução do real pode ser manipulada pelo usuário para que se constitua como uma nova forma de apresentá-la. Segundo as expressões de Lévy, o usuário ‘atualiza’ o conteúdo no momento da reconstrução, tornando-o visível e consequentemente ‘real’. E isso depende necessariamente de um posicionamento crítico por parte daquele que atualiza, o que sugere que a simulação não é uma imitação da realidade, mas a sua reconstrução filtrada por uma intenção.

O termo simulação como é apresentado por Couchot busca um posicionamento crítico relacionado a uma questão de “aderência ao real”. Segundo ele, a simulação possui um grau ínfimo de aderência à realidade uma vez que seus processos de realização são intermediados por cálculos matemáticos que se apóiam em linhas de código binário cuja imaterialidade se desprende da realidade, um tipo de operação que não se “adere ao real”. A impossibilidade de se enxergar ou tocar nestes registros da realidade rompe com a noção de corporeidade, assumindo um caráter volátil.

Se pensarmos segundo o mesmo raciocínio de Couchot, poderíamos afirmar que as representações analógicas possuiriam uma grande aderência ao real devido à sua forma de registro ser material: o traço ótico, ou traço físico dos livros, fotografias de película ou as ranhuras dos discos de vinil. Ou seja, as considerações de Couchot se dirigem à forma como a realidade é registrada, à concretude, ou melhor, a falta dela nas tecnologias numéricas. É também sob este ponto de vista que Machado discute a ontologia da simulação:

"Dizer que há uma imagem na memória do computador é apenas um esforço de expressão, pois o que há de fato não é outra coisa do que um conjunto de valores numéricos dispostos organizadamente numa base de dados" [9].

 

 



É desta condição da representação digital enquanto “expressão matemática” que orienta a classificação da terminologia simulação utilizada aqui tanto por Couchot quanto por Machado. Para ambos os autores, o fato da realidade “existir por um momento somente sob a forma numérica”, necessariamente demandando de um processo de tradução para atingir uma “expressão plástica”, corresponderia a um ato de sua simulação. Ou seja, a simulação estaria vinculada a uma fórmula anterior a ela, mas que não teria relação com a realidade em função de sua incorporeidade.
Encontramos outras considerações relativas à simulação que se desprendem das questões que englobam os princípios técnicos de sua realização, como é desenvolvido por Couchot e Machado, e envolve um entendimento dado a partir do usuário. Entramos, então, em uma outra discussão sobre mesmo conceito.

Tomando como referência as considerações de Manovich sobre como a representação das telas se relaciona com a realidade física onde se situa o observador veremos que o termo simulação também permite outras interpretações, que não se relacionam com o ato de produção da representação digital, mas com o que se espera dela.

A princípio, a representação é, para Manovich, um “ato de corte da realidade que é dado a partir da moldura ou dos limites da tela e que conseqüentemente posiciona o observador em dois espaços de percepção: o físico, onde se situa se corpo real, e o virtual da imagem na tela” [10]. Segundo ele, durante toda a história da representação a partir de telas, a passividade e a imobilidade sempre permaneceram atreladas ao observador. Continua dizendo que, desde as máquinas perspectívicas de Alberti, passando pela fotografia e pelo cinema, o sujeito observador permaneceu imóvel diante da “virtualidade” que a ele era apresentada.

Em contraste a esse posicionamento passivo do observador, a tecnologia digital pode oferecer uma nova forma de relacionamento entre observador e não só a imagem, mas todos os tipos de formatos de informações como sons e outros estímulos sensoriais. A tecnologia digital permite que observador tenha acesso a um espaço potencial que pré-existe à imagem, oferecendo condições para que ela seja reconfigurada antes de ser visualizada. As interfaces digitais interativas são ambientes digitais multimídias passíveis de serem visualmente reprogramadas pelo usuário. O termo ‘usuário’ se insere em substituição a ‘observador’ em função desta condição ativa, ou seja, passível de interferência por parte do até então ‘espectador’ na obra que a ele se apresenta.

Esta relação sincrônica entre o usuário e interface estabelece, para Manovich, uma cumplicidade entre o espaço físico e o “virtual”, Segundo ele, é característico da simulação “uma continuidade entre o espaço físico e o espaço virtual, uma quebra dos limites estabelecidos pelo enquadramento retangular da tela” [11]. Portanto, numa relação que se estabelece nestas condições, tanto o usuário quanto o conteúdo da apresentação coexistem espacialmente e sircronicamente, numa relação ativa de dependência mútua. 

A superação desta passividade do observador diante da obra é discutida pelos artistas do movimento Land Art como Robert Morris, Richard Serra e Robert Smithson. As obras destes artistas introduzem conceitos como a ausência de um ponto de vista específico, a relação com o objeto dependente do observador, a percepção sem referencial fixo, buscando um tipo de apreensão da obra que não seja realizada de forma totalitária, de modo que o observador não se posicione fora da obra, mas no interior e por entre ela. A condição do observador é de inserção visual e fruição na obra como coloca Peixoto:

"Olhar um objeto é mergulhar nele, ver um objeto é ir habitá-lo e dali observar todas as coisas. É desse modo que se podem tomar as esculturas de Serra. Essas grandes obras, atravessando longos trechos do terreno não podem ser vistas de um só golpe, não há uma apreensão da totalidade"[12].

No caso das tecnologias digitais esta superação não se realiza em função destas mesmas condições como a de fruição física da obra, mas da possibilidade de co-autoria em função da interação entre usuário e interface. Tanto na Land Art como nas interfaces digitais, o observador desempenha um papel de usuário da obra, demandando uma exploração do conteúdo seja através da sua fruição ou da manipulação de suas formas possíveis de exibição. 

Existem ainda autores que, apoiados nas teorias de Jean Baudrillard, consideram que a perda de relação com a realidade na simulação ocorre em função de sua independência de significado, como coloca Santos:

"Na simulação a imagem não representa nada, apenas dissimula o fato de que não há nada por trás dela. A imagem é independente da realidade, tornando-se assim a própria realidade; a simulação nega qualquer referência com um real dado a priori, não correspondendo a nada, senão à sua própria existência" [13].

Esse tipo de colocação busca discutir a relação entre simulação e realidade a partir da semiologia, interpretando as imagens simuladas sob um crivo linguístico de significantes e significados. Assim como Couchot e Machado, Santos aponta para o desgarramento da simulação ao real. Entretanto, se nos dois primeiros autores isso se deve a uma descorporificação do registro da realidade, para este último se deve a uma autonomia de significado por parte da simulação. Percebe-se uma concordância destes autores em considerar a simulação como uma entidade divina suprema uma vez que ela é autônoma tanto de existência quanto de significado. Tratá-la desta forma significa desconsiderar tanto o usuário quanto a própria realidade como aspectos participativos importantes na constituição das mídias digitais, seja como fonte de registro ou de atualização. É considerar a simulação auterreferencial. Além disso, demostra um certo desconhecimento profundo destes autores dos conhecimentos relativos à sintaxe de programação e linhas de comando responsáveis pelo comportamento das chamadas simulações. Sem programação, as simulações não são realizáveis. Ela é a estrutura de comportamento das interfaces e, ao contrário do que se coloca, podem ser abertas tanto para interferências externas da realidade quanto para a manipulação do usuário, ou seja, se agarrando diretamente à realidade. Além disso, sem usuário as simulações não se atualizam. 

Percebe-se que o espectro teórico que discute a terminologia simulação compreende diversas definições, cada qual sob uma ótica específica. Com a intenção de discutir possibilidades para um tipo de procedimento digital para a apresentação processual do espaço na arquitetura que sugira o estímulo interativo entre interface e usuário, associando-os numa composição, arranjo ou redação, acredita-se ser mais apropriado a utilização do conceito ‘síntese’. A síntese digital envolve a noção de complementaridade entre diferentes partes que se agrupam para a formação de um elemento composto. No caso, este elemento seria formado não só por imagens, mas animações, sons, panoramas, diagramas, textos constituindo um ambiente digital que somente de realiza a partir da interferência do usuário.

Ao contrário do que é afirmado por alguns autores no que diz respeito à simulação, o processo de síntese digital na arquitetura tem forte relação com a realidade devido ao seu caráter processual e crítico da própria realidade, além da dependência de olhares externos a ela para sua realização. A construção de uma representação baseada na síntese digital na arquitetura pode partir da percepção e registro da realidade num primeiro estágio: o de apreensão. Apesar deste registro não se constituir de um suporte físico, mas de um conjunto de valores numéricos armazenadas em memórias, sua relação com a realidade se estabelece em um outro nível: o de seu conteúdo.

O conceito de síntese digital introduz uma dimensão na representação digital que dialoga com a produção de alguns artistas como, por exemplo, Christa Sommerer e Laurent Mignonneau, que se denomina arte generativa ou arte genética. Segundo estes artistas, as instalações desenvolvidas exploram o conceito de “natural design” ou “auto design”, um design que “não é mais pré-fixado ou controlado pelo artista, mas a representação existe a partir do grau de interesse e interação de cada usuário” [14]. Exposto recentemente no Brasil, a instalação Verbarium exprime fortemente a idéia de um sistema autônomo, programado a partir do que seria uma metáfora de cadeias genéticas, porém digitais, passíveis de manipulação e recombinação pelo usuário.

O resultado surge numa síntese de formas abstratas geradas digitalmente e aleatoriamente, sugerindo criaturas e plantas que “crescem” como se fossem seres vivos. A investigação gerada por Verbarium questiona a interação e o processo criativo que, a partir de então, não é mais uma expressão do artista, mas de um processo dinâmico e evolutivo que é despertado pela sua interação com dados externos inseridos pelos usuários. O conceito de design generativo suscita várias questões relativas tanto ao processo quanto ao produto deste tipo de técnica de geração de imagens digitais. Além disso, absorve muitos conceitos da filosofia do pensamento de autores como Gilles Deleuze e Félix Guattari porque tangencia o discurso relativo ao modo como se estrutura o design.

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NOTAS

[1]“Editing, or montage, is the key twentieth-century technology for creating fake realities.” MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge: MIT Press, 2002, p. 148

[2] “Fictional cinema, as we know it, is based upon lying to the viewer. A perfect example is the construction of a cinematic space – a room, a house, a city. Usually, none of these exists in reality. What exists are a few fragments carefully constructed in a studio. Out of these disjointed elements, a film synthesizes the illusion of a coherent space.” MANOVICH. The language of new media, 2001, p. 146.

[3] TARKOVISKI, Andrei. Esculpir o tempo. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 141.

[4] idem.

[5] MANOVICH. The language of new media, 2002, p. 46.

[6] COUCHOT, Edmond. Da representação à simulação: evolução das técnicas e das artesda figuração. In: PARENTE, André. Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual. 3. ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1999, p. 38.

[7] “The fifth and last principle of cultural transcoding aims to describe what in my view is the most substancial consequence of the computerization media” MANOVICH. The language of new media, 2002, p. 45.

[8] COUCHOT. Da representação à simulação, 1999, p. 42.

[9] MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Ed. Universidade de São Paulo, 2001, p.60.

[10] MANOVICH. The language of new media, 2002, p. 104.

[11] MANOVICH. The language of new media, 2002, p.111-115.

[12] PEIXOTO, Nelson. Paisagens urbanas. São Paulo: SENAC, 2004, p.117.

[13] SANTOS, Ana Paula Baltazar. Multimídia interativa e registro de arquitetura: a imagem da arquitetura além da representação. 1998, p. 105. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Belo Horizonte, 1998, p.105.

[14] “explores the concept of “natural design” or “auto design”, a design that is not anymore prefixed and controlled by the artists, but represents the degree of interest and interaction of each single visitor”. SOMMERER; MIGNONNEAU. Genma – genetic manipulator, 1997. Disponível em: <http://www.iammas.ac.jp/~christa/WORKS/
CONCEPTS/GenmaConcept.html
> Acesso em: ago. 2004.

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Como citar este artigo:

MASSARA, Bruno. As mídias digitais e simulações na arquitetura. (in) MASSARA, Bruno. Interfaces Gráficas e Cidades: Tecnologia Digital na Visualizaçào de Dinâmicas Espaciais en Grande Escala. Dissertação de Mestrado. NPGAU/EAU/UFMG, NOV. 2005, p. 71-77. Disponível em <http://www.territorios.org/teoria/H_C_midias.html> Acessado em: