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SISTEMAS URBANOS FLEXÍVEIS E SEUS IMPACTOS NO ESPAÇO URBANO

Palavras-chave: espaço urbano; paradigma flexível; sistema urbano; tecnologias digitais

Sistemas urbanos flexíveis são organizações produtivas espacialmente descentralizadas, que operam a partir de centros dispersos de controle, muito condicionados por fluxos de diversas naturezas e escalas. Em diferentes partes do mundo, percebemos que a condição urbana de muitas cidades está diretamente subjulgadas a sistemas urbanos dessa natureza, ocasionando um prejuízo para a qualidade de vida da população e uma perda da qualidade ambiental dos espaços urbanos. O principal ponto é que a flexibilidade desse sistema faz com que aspectos de proximidade física, localidade, cultura local, identidade ambiental seja algo secundário para o processo. Podemos dizer que esse modelo de sistema urbano está diretamente relacionado a, e podemos dizer que são resultantes de, um sistema econômico também flexível.

Podemos caracterizá-los, segundo Monte-Mór e Costa [1] pelos seguintes aspectos:
. apresentam um relação intensa com os meios de transporte e comunicação;
. incorporam diversas inovações tecnológicas em seu próprio processo de produção, como meta para flexibilizá-lo;
. operam e são configurados a partir de constantes reorganizações de fluxos, tanto na intensidade quanto nos direcionamentos;
. apresentam uma maleabilidade estratégica em função das tendências dos mercados.

Esse novo paradigma produtivo flexível é abordado e apresentado como paradigma toyotista por autores como Castells [2], que atribui uma importância fundamental às interconexões neste tipo de organização sistemática. Elas articulam centros de controle, regiões produtivas e mercados consumidores como variáveis de uma equação dinâmica. Segundo ele, o nível e a qualidade de proximidade entre estas variáveis não está relacionado à distância entre os pontos, mas à intensidade de articulação entre as áreas urbanas que os localizam. Os aspectos infraestruturais são fundamentais, para não dizer primordiais, para agilizar e sincronizar os processos de troca entre as variáveis. Redes de conexão e articulação definem as proporções do tamanho dos centros produtivos e sua localização geográfica, em muitos casos, desconsiderando aspectos da identidade do local onde estão implantados e dos espaços urbanos contíguos.

Nesta perspectiva, os sistemas urbanos flexíveis contemporâneos devem ser analisados não somente através de suas características físicas ou geográficas, mas a partir de sua predisposição infraestrutural em se integrar a uma rede dinâmica de relações, que compõe um sistema maior globalmente articulado. As tecnologias digitais de comunicação potencializaram a criação de mercados globais, serviços remotos, novos espaços de troca e tem uma importância infraestrutural estratégica na organização e na manutenção dos sistemas urbanos flexíveis na atualidade. Para Mitchell, as redes de interação virtual são hoje um problema geográfico, se referindo à importância e à interferência delas na construção dos espaços físicos [3]. Se formos analisar esta afirmação a partir da leitura crítica do conceito "virtual" de Pierre Lévy, podemos afirmar que estas redes de interação, ao contrário do que coloca Mitchell, são bastante "reais" e dependentes de um suporte físico, além de produzirem efeitos concretos na articulação, distribuição e construção do espaço urbanos em regiões industriais. Elas se apresentam sob a forma de rodovias, ferrovias, oleodutos, redes de transmissão, usinas, portos, etc. Virtuais seriam as organizações possíveis de se realizarem através de novas velocidades de trânsito de informações, novos canais de relações comerciais e novos paradigmas de produção flexível.

Essas interferências dos sistemas produtivos flexíveis nos espaços urbanos são vistas por Castells como potencialmente definidoras das formas de uso e ocupação das porções de cidade onde se localizam. Para o sistema, uma cidade não passa de um nó. Segundo o autor, as funções a serem preenchidas por cada um dos nós desta rede definem as características dos lugares onde estão ou serão localizados [4], ou seja, as cidades se tornam extremamente dependentes de uma demanda produtiva cuja escala é mundialmente maior.

Cada "nó" tem funções bem definidas dentro de uma cadeia produtiva de serviços que, apesar de ser considerada hierárquica por Caslells, apresenta aspectos não-lineares e de configuração independente. A composição desta cadeia poderia ser analogamente imaginada enquanto uma rede multilateral de fluxos, trocas, interações e enfrentamentos em constante movimento como num sistema de informações. A configuração de um espaço urbano resultante exclusivamente deste modelo de relações seria o que podemos chamar de uma paisagem operativa, um espaço resultante de um sistema ativo de forças produtivas, cuja potência maior é a ampliação contínua de sua própria produção.

Para uma melhor compreensão destes sistemas urbanos flexíveis, é necessário um tipo de leitura que nos permita apreender sua complexidade, uma vez que sua escala física é tão grande que não podemos abarcá-la com um único olhar. É fundamental que essa apreensão nos proporcione refletir como essa dinâmica flexível se reflete na construção do espaço urbano bem como quais as possíveis consequências geradas a partir de suas constantes reconfigurações. Esse tipo de olhar crítico nos permitirá apreender também a escala intermodal do sistema, ou seja, a dimensão de todos os outros pontos com os quais um determinado sistema flexível se interconecta, para a partir daí refletir mais apropriadamente seu impacto em diversos centros urbanos.

Essa condição de crescente flexibilidade produtiva, de formação de sistemas flexíveis, provocam em muitos casos uma descontinuidade de ocupação do território, é extremamente prejudicial para a qualidade de vida do espaço urbano. As condições para o desenvolvimento urbano surgem de demandas vindas de escalas muito maiores do que a vida cotidiana. Alguns autores definem esta condição como uma metacidade, ou seja um tipo de aglomerção urbana que, devido às suas especificidades, se coloca num estágio além de nossa compreensão trivial de uma cidade enquanto espaço físico coletivo.

Segundo o arquiteto catalão Guallart, metapolis está para a era digital assim como a metrópole está para a era industrial e possui como característica marcante a coexistência de diversos modelos urbanos em um mesmo espaço urbano [5]. As análises estabelecidas não somente por Guallart mas por outros arquitetos envolvidos neste grupo de pesquisas de mesmo nome (Grupo Metapolis) como Gausa e Muller, repousam na busca por definições mais inovadoras das formas de organização presentes na sociedade atual, especificamente no contexto catalão. Segundo eles, a natureza complexa da nossa realidade diária demanda um novo tipo de lógica mais aberta capaz de relacionar propositadamente diversos níveis, estágios, latências e potenciais que emergem de um reconhecimento n-dimensional da realidade [6].

Apesar destas preocupações dizerem respeito a um olhar sobre um contexto europeu, existe uma série de aspectos que estabelecem relação com as situações urbanas encontradas em nosso contexto brasileiro e que, se relativizadas, podem se tornar uma referência enquanto uma nova possibilidade de se compreender o espaço urbano atual, notadamente aquele resultante de processos de produção flexíveis.

A postura do grupo Metapolis possui similaridades aos conceitos que investigam a leitura do espaço enquanto um sistema de infraestruturas conectadas a outras escalas que não as imediatamente locais. Para isso eles sistematizam uma organização espacial segundo quatro estruturas fundamentais:
. geoestruturas;
. infraestruturas;
. infoestruturas;
. ecoestruturas.

 





Elas orientam a distribuição e a localização das mais importantes centralidades urbanas em relação às infraestruturas de geração de energia e articulação de fluxos, às estruturas para lazer e turismo, reequilíbrio ambiental, etc. Trata-se de uma proposta de convergência entre sistemas urbanos flexíveis e espaços urbanos. O grupo Metapolis apreende a região da Catalunha a partir de uma leitura que busca organizar todo o território como uma única especialidade integrada, cujos sitemas não podem ser encarados separadamente, mas complementarmente. Caracterizam a Catalunha como uma grande multi-cidade descontínua ou uma geourbanidade possivelmente interconectada [7]. Com relação à visualização destas articulações espaciais, foi desenvolvido especialmente para estas análises uma interface contendo dados diversificados da região, permitindo uma navegação pelo território a partir de vídeos, animações, fotografias e mapas que se relacionam ao longo do percurso. É possível a partir daí reconhecer a realidade da região através de olhares diferentes e simultâneos.

Entretanto, eles apresentam ao usuário as características imediatamente perceptíveis do território: características geográficas, infraestruturais, ambientais. Eles não fazem referência aos aspectos condicionantes do surgimento destas características, se constituindo apenas como uma sistematização de realidade visualmente apreendida deste espaço. Desta forma, não se comprometem com uma análise processual do espaço, uma análise que nos permita estabelecer uma conexão entre o que é produzido fisicamente em termos de urbanização com as causas que desencadearam sua formação.

O conceito de metapolis se relaciona, no caso do grupo catalão, a uma estratégia de aproximação de escalas: utilizar os atributos territoriais num nível regional de forma a produzir um banco de informações relativas que podem ajudar a compreender situações urbanas num nível mais local.

Partindo de conceitos similares, outros autores contemporâneos importantes também analisam a condição do espaço urbano atual diante de um quadro de crescimento de sistemas urbanos flexíveis. A crescente difusão dos sistemas de telecomunicação seguida da constituição de uma rede de prestação de serviços remotos vêm produzindo, segundo o arquiteto holandês Winy Maas, alterações significativas na nossa condição urbana. Ele se refere principalmente à crescente especialização das atividades regionais, bem como a interdependência entre elas e o aumento da população que é seguido de uma concentração urbana elevada, levando em conta os fenômenos que ocorrem no território holandês. Próximo às definições do Grupo Metapolis, Maas utiliza a definição metacity para se referir a um tipo de espacialidade física resultante da crescente interferência dos sistemas de comunicação, informação, circulação na organização das atividades no espaço urbano atual:

"Devido à sempre-crescente expansão das redes de comunicação e a incomensurável teia de interrelacionamentos que ela gera, o mundo tem presenciado o anacronismo ‘global-village’ e está se transformando no estágio mais avançado da metacity" [8].

Em ambas definições o atributo meta aplicado ao caso das cidades está atrelado à uma condição existencial crítica do espaço urbano na qual ele não se revela através de seus edifícios ou vias de circulação e espaços públicos, mas em capacidade de articulação em um sistema urbano ampliado. Maas propõe o mapeamento desta condição a partir de um processo de levantamento de dados relativos às cidades, processo por ele denominado de datatown. Ele é, na verdade, um método de quantificação de dados que pretende descrever as cidades sem dar relevânica ao contexto físico, como as questões topográficas ou ambientais, por exemplo. Diferentemente do grupo Metapolis, Maas propõe uma constante manipulação desta paisagem de dados como intrumento de crítica e projeção de cenários para espaços urbanos. Segundo ele, a extrapolação estatística é um procedimento crítico, e não apenas um modo de leitura e compreensão de determinado espaço urbano.

Como suporte para este tipo de análise, Maas propõem uma plataforma digital denominada RegionMaker capaz de manipular diversos tipos de informações como dados demográficos, mapas, desenhos vetoriais, imagens de satélites e vídeos, com a intenção de auxiliar uma leitura crítica do espaço a partir de uma mistura de pontos de vista que envolve critérios econômicos, sociais e culturais. Além de potencializar o cruzamento destes dados, o RegionMaker se propõe a desenvolver cenários para projetos de habitação, levando em consideração a otimização da luz natural e a mistura de atividades. Paralelamente ao RegionMaker, o FuctionMixer é um outro software proposto para avaliar abstratamente possíveis organizações para os usos urbanos a partir de parâmetros como o limite volumétrico da cidade e sua densidade de população. O FuctionMixer parte do princípio da mistura dos usos no espaço urbano para propor formas de construção de cidades capazes de gerar espacialidades híbridas que somem aspectos sociais, ambientais, econômicos, etc. Tanto o RegionMaker quanto o FunctionMixer podem ser considerados como suportes críticos para as análises urbanas, uma vez que o procedimento de planejamento de uma cidade em sua totalidade está cada vez mais distante da nossa realidade, o que nos permite considerar este tipo de postura ingênua. A importância destas interfaces se encontra na capacidade de oferecer novas possibilidades de projeto no que tange habitações e usos urbanos que superem as noções de setorização estéril das atividades, compartimentação dos usos, e que sejam mais coerentes com a crescente interconexão e interdependência das atividades.

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NOTAS

[1] MONTE-MÓR, Roberto Luís de Melo; COSTA, Heloisa S. M. Inovações tecnológicas e novas espacialidades: evidências e tendências recentes. In: ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS, 20., 1996, Caxambu.

[2] o enorme sucesso em produtividade e competitividade obtido pelas companhias automobilísticas japonesas foi atribuído a essa revolução administrativa, de forma que na literatura toyotismo se opõe a fordismo adaptada à economia global e ao sistema produtivo flexível. CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 214.

[3] MITCHELL, Willian. E-topia: a vida urbana mas não como a conhecemos. Tradução: Ana Carmen Martins Guimarães. São Paulo: SENAC, 2002, p. 45-47.

[4] CASTELLS. A sociedade em rede, 1999, p. 503.

[5] “Beyond the metropolis of the industrial era emerges the metapolis of digital era. The city is now a place of places, where numerous urban models coexist” GUALLART et al. The metapolis dictionary of advanced architecture:city, technology and society in the information age. Barcelona: Actar, 2003.

[6] GUALLART, Vicente et al. HyperCatalunya: research territories. Barcelona: IAAC, Generalitat e ACTAR, 2003.

[7] idem.

[8]“Due the ever-expanding communications networks and the immeasurable web of inter-relationship they generate, the word has shed the anachronism 'global village' and is transforming into the more advanced state of the 'metacity'”. MAAS, Winy et al. Metacity Datatown. Rotterdam: MVRDV/010, 1999, p. 16-19.

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Como citar este artigo:

MASSARA, Bruno. Sistemas urbanos flexíveis e seus impactos no espaço urbano. (in) MASSARA, Bruno. Interfaces Gráficas e Cidades: Tecnologia Digital na Visualizaçào de Dinâmicas Espaciais en Grande Escala. Dissertação de Mestrado. NPGAU/EAU/UFMG, NOV. 2005, p. 30-36. Disponível em <http://www.territorios.org/teoria/H_C_sistemas.html> Acessado em: