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GIOVANI BATISTA PIRANESI

 

Grande parte das referências deste artigo são dadas pela valiosa contribuição da Professora Dr. Rita de Cássia Velloso em suas aulas e discussões acerca da importância do arquiteto veneziano para a redefinição de conceitos sobre escala, representação, espacialidade e suas implicações na teoria e prática da arquitetura.

Piranesi é arquiteto veneziano e que ganha muita projeção na arquitetura em função de suas gravuras sobre as ruínas de Roma. É, em grande parte, através destas gravuras que as pessoas tomam conhecimento sobre os acontecimentos na Roma no século XVIII. Roma é uma cidade que frequentava o inconsciente e a imaginação das pessoas  histórico pela monumentalidade da arquitetura na antiguidade clássica. No século XVIII a Itália não era o país que estava na ponta da produção da cultura. Todo o repertório da antiguidade clássica que é recuperado no século XVIII pela arqueologia, toda a descoberta e manutenção desse vocabulário classicista do século XVIII passa evidentemente pelas cultura material que se encontra em Roma, local para onde as pessoas se voltam na busca por referências.

Muitos artistas passavam temporadas em Roma nas academias de pintura, como parte de sua educação. Os italianos se sentiam responsáveis pela manutenção de seu acervo, como o Museu do Vaticano, pela sua arqueologia e organização.

As visitas a Roma incluiam locais fundamentais onde se podia perceber as referências da Antiguidade Clássica. O século XVIII é o século do surgimento da arqueologia. Isso significa que pela primeira vez na história as pessoas as pessoas vão ter um conhecimento objetivo acerca do pensamento. Grande parte do conhecimento da Antiguidade se baseia no conhecimento das suas ruínas. É uma fase em que há um aumento da precisão do conhecimento.

A arqueologia era pensada a partir do historiador da arte e arqueólogo alemão Johann Joachim Winckemann. Ele vai para Roma a serviço da Igreja para trabalhar no acervo do Vaticano e escreve um livro a respeito da superioridade da Arte Grega exaltando as qualidades e o valor clássico das obras gregas. Piranesi, que se encontrava em Roma nesta época de extrema valoraização da arte grega, defende o valor das obras romanas. Ele teria uma série de obras que constituíam um inventário do que teriam sido essas obras, construções da antiguidade romana. Ele desenha minuciosamente esses construtos, essas ruínas, colocando-se numa espécie de contra-corrente ideológica daquele momento histórico.

Ao invés de defender a Antiguidade Clássica, Piranesi defende seus argumentos a favor da arte e da arquitetura romana. Piranesi utiliza-se de suas gravuras como forma de construção de seu vocabulário. O valor que Piranesi representa para a história da arquitetura fica explícito em sua nova maneira transgressora de interpretar a história da Antiguidade Clássica. Num momento em que as cidades começam a crescer, ele desenvolve uma noma maneira de interpretar a arte, influenciando todo o pensamento estético.

Neste período, o arquiteto francês Marc-Antoine Laugier escreve pela primeira vez sobre o desenho da cidade. A discussão acerca  da forma das cidades fica em evidência e em processo de redefinição no século XVIII, porque a idéia da forma até então havia sido regrada e escrita nos antigos tratados. A cidade seria um tema caro para a arquitetura do Iluminismo, que a encarava como uma totalidade e não como uma geometria.


A dimensão transgressora da visão de cidade de Piranesi surge a partir de um projeto: Campo de Marte em Roma, uma área devastada. Através de uma gravura, Piranesi ensaia uma reconstrução total do espaço, detalhando minuciosamente o desenho. A região havia sido anteriormente ocupada, e ele a redesenha com a intenção de entender sua estrutura, discutindo aspectos sobre controle de forma e geometria. Propõe espacialidadedes e formas geométricas que não eram vigentes até então. Sua relação para com a época em que vivia pode analogamente ser entendida como se fosse um computador de última geração, num universo de ábacos. Foi, sem dúvida uma pessoa muito à frente de sua época.

Numa percepção imediata das suas gravuras, temos a falsa impressão de que estamos dentro de uma lógica pré-estabelecida. No entanto, os espaços parecem um amontoado de edifícios dentro de uma espacialidade só. É importante considerar que nosso conhecimento sobre a história é muito regrado. Uma das primeiras características que aprendemos sobre a arquitetura romana é que ela era extremamente ornamental e de construtiva grandiosidade. Entretanto, no século XVIII o conhecimento sobre a história não era tão organizado dessa maneira, e os desenhos do Piranesi cumprem um importante função de documentação sobre esse passado. Seus desenhos surgem como oportunidade  de conhecimento e reflexão sobre a história. São fragmentados, resultantes de formas estranhas, de uma sobreposição de estilos, irregularidades, conexões. Contrapõem-se ao "passado glorioso de formas perfeitas e proporcionais" definido por Wincklemann. O conhecimento de passado proporcionado por Piranesi oferece às pessoas uma base imaginativa e não a regra; sua linguagem é a exaltaçao, é a construção da atmosfera do passado, uma linguagem de transposição. princípio  de conhecimento de Piranesi para a história não é essa objetividade vigente, de vertente cartesiana. Ele defende um conceito de que a história só é possível a partir de uma imaginação poética.

A sequência de gravuras denominada "Cárcere", um complexo carcerário abaixo de Roma, é uma obra de Piranesi dotada de grande ambiguidade. São obras simultaneamente grandiosas e sinistras. Trata-se de uma "paisagem de sonho", uma ilustração de um espaço imaginário, construções com aparências abandonadas, uma interpretação individual de seu próprio tempo. São cenários apocalípticos, espaços representados como ambiências contraditórias, de escalas impossíveis. A perspectiva é usada como um vetor de deformação da obra e do espaço presente. Naquele momento histórico, o projeto dos edifícios era baseado numa linguagem extremamente numérica, por leis, regras que em nenhum momento se pensavam em abandonar. A geometria controlava a forma. No caso de Piranesi a geometria dos edifícios era absurda e muito diferente do que se tinha como modelo na época. A arquitetura de Piranesi aparece no fragmento e não a partir da idéia de totalidade, uma inversão de valores muito significativa. Novas tipologias arquitetônicas que surgem no século XVIII, como as prisões e hospitais, leva a uma reflexão de como serão esses edifícios investigando a partir de uma nova combinação de formas, diferente e mais importante do que a idéia de harmonia.

Piranesi inaugura uma reflexão acerca do framento enquanto modelo de pensamento, a combinação de elementos de formas variadas, e a idéia de imaginação como criação e não como regra. Suas gravuras têm uma importante função como documentos, registros, que representam um pouco sua época e guardam as indagações do arquiteto diante da realidade que vive.